sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

FORTUNAS VOLÅTEIS








            Luiz Martins da Silva

Quanta coisa a se seguir
Com mais de dois olhos na estrada.
Até parece, querer ir
A mente a um certo Nada.

Quanta noção distraída!
Segue o espírito um outro rumo?
Coisas banais do presente
Nas laterais de uma lida.

Um carro tem quatro rodas,
Um estepe e um volante.
Frutas, perigos, passantes...
De um tudo a se fazer moda.

Modos de ver e fluir,
Como num abraço de céu.
Imagens, bois, pássaros...
E um nevoeiro a fingir.

Resiste um velho letreiro.
Lento, subida, caminhão:
Anúncio, show de rodeio,
Há um ano, o mesmo out-door.

Isto, lá, muito me atrai,
Digo, a dupla sertaneja.
Choveu. Pista molhada.
E um arco-íris só meu.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

DESAPEGOS






LUIZ MARTINS DA SILVA



Olhando, assim, de relance
Para um mundo mais humano,
Ouço um passarinho insistente,
À borda de uma varanda:
'Não sei dia, mês e ano."

Olhando, assim, para a vida,
No topo de uma montanha,
Ouço um peixe bem aquífero,
Desde o seu manto azulado:
"Não sei o que é uma lágrima."


Olhando, assim, para a noite,
De mar e céu estrelado,
Dos confins de alto a baixo,
Ouço um astro coruscando:
"Pouco me diz o meu fardo.

Olhando assim para o tempo
E todas as suas pinturas,
Penso no acaso do vento,
Sem trambelho ou compostura:
"Sou a moldura do nada."


Olhando, assim, para um copo,
Ainda cheio de água,
Sou filho, sou pai, sou corpo,
Este agora: enrodilhado:
"Logo passa a tempestade."



quarta-feira, 15 de outubro de 2014

PROFESSAR




LUIZ MARTINS DA SILVA


Para Marias, Josés e Malalas 


Vai, audacioso
Ter a pretensão de ensinar
O que todo o mundo
Não sabe por inteiro.


Vai, Prometeu,
Professar proficiência
De futuros , não confessos,
Ninar, com fervor, os embriões.


Vai, profeta,
Arauto de assertivas,
[ora et labora]
No lapidar dos egos.


Volta, sempre, humilde
Ao afeto que se encerra
No saber que, amanhã,
Gerânio mais floridos.




domingo, 12 de outubro de 2014

A CIGARRA






















LUIZ MARTINS DA SILVA




[ Composição atonal para sete notas ]



Ausência de um ano:
Retorno certo
Ao mesmo tronco.



Estribilho de azul :
Incloncluso ensaio
De canto coral.


Mi
Enigma infantil:
Todas mortas,
Todas de volta.



Da larva ao cerne,
Ciclo de seiva,
Rondó cósmico.


Sol
Diapasão de luz:
O disco se grava,
Todo verão.



Divisão de turno:
O macho canta,
A fêmea escuta.


Si
Se fosse música:
Começo e fim...
Partitura, não; clave sim.
 


Imagem- Animal planet Discovery

MEMO





Luiz Martins da Silva





Trocar medicação por meditação
Conhecer as veredas do cerrado
Alguém sabe aonde termina o sertão?
Fazer de cada dia a Santa Ceia. 



Ver o que as pessoas têm de mais.
Ser mais irmão e Anjo da Guarda.
Fazer de meia -dúzia mais que seis.
Visitar desconhecidos enfermos.



Pedir perdão aos abestados.
Descobrir virtudes nos simplórios.
Acender a luz na aldeia dos infames.




Uma vez por mês amanhecer no bosque.
Conversar sobre música com os pássaros,
Discutir a saúde com as pragas.









quinta-feira, 18 de setembro de 2014

SANTINHOS *









LUIZ MARTINS DA SILVA

Não se veem nos cartazes,
Nem vivem a pedir votos,
Mas, tanto são os devotos
De anônimos padroeiros.


Nem políticos, nem profetas,
Não debatem na TV.
Não prometem, só espiam
Os lares que são marquises.

A santa putinha que vela,
Por donzelas indefesas.
Os mártires sem cofres que doam
Migalhas aos ventres ocos.

Herdeiros dos meio-fio
À ala dos indigentes,
Eles retornam nas sombras
Aos órfãos do bem-querer.

Não há como serem ungidos:
Número, zona, seção, urna...
Candidatos, sim, em socorro
Dos servos da cola e thinner.


*Santinhos , na gíria eleitoral, são retratos de políticos, 
distribuído à farta em época de campanha.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

DE PAR EM PAR



LUIZ MARTINS DA SILVA



Um velho par de botinas 
Não chega a ser um parente,
Mas pode saber de nós outros
Bem mais do que um íntimo ente.

Prá lá de vinte mil léguas,
Quase quatro continentes,
Ah ! quantas rodoviárias !
E até um farol marinho.

Fogueira, sereno e lua,
Barba passando de junho,
Um violão de cordas bambas
De tanto vinho e relento.

Isso, foi milênio passado,
Quando ainda era andarilho
Homem revolucionário,
Agora mapa de um rosto.
 




domingo, 24 de agosto de 2014

PEROLÁRIO


       



  Luiz Martins da Silva

Viver época de partilha,
Dádivas soltas web afora.
É só lançar-se na rede
E fartar-se de tesouros.

Rescaldo de outras ondas,
Beatles e Stones bem jovens.
Ou a concha do último selfie,
Cornucópia de narcisos.

Era um coreto art déco,
Numa infância nacarada.
Ray Charles gemia na tarde:
I can't stop lovin you.

E eu, que nunca parei

Nem de amar, nem de ouvir,
Vivo à farta de imagens,
Melodias a curtir.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O MAR E A SECA


Luiz Martins da Silva



Em sendo o oceano um aceiro
De suor seco em vidraça,
O delírio se faz saga
De um azul-cobalto fugaz.


Céu, prumo de marinheiro,
Lágrimas de pó e sal,
Viver longe de uma praia,
Diminutivo de dunas.


Crimes de ar e incenso,
Queima de fogos malsã.
Crematório de crepúsculo,
Câmara de seres ardentes.


Velas a palo seco
De brumas imaginárias.
Cerrado, saara remoto,
Vagas de ilusória névoa.


Distante aldeia tórrida,
De casario em torpor.
O oceano é quase ali
Na orla de um lago só.

domingo, 10 de agosto de 2014

SER PAI



Luiz Martins da Silva


Ser pai é ser mais
Que um simples ser;
É ser mais que um ente,
Genética para além de gente.

Ser pai é ser um outro ser;
É ser e estar num certo estado
De Deus na Terra
Guardeando sementes.

Ser pai é dormir na fila do Céu
Para guardar vagas dos filhos;
Para lhes garantir matrícula
No Liceu do Caráter.

Ser pai é ciência do acerto
Do que é certo para os seus.
Ser pai é ser antes de tudo pão,
Mesmo suado em searas agras.

Ser pai é ser quase um doce,
Que por vezes só se sabe
Quando o saber chega tarde,
Numa tarde quase noite.

domingo, 3 de agosto de 2014

SOBRE GAZA



LUIZ MARTINS DA SILVA



Sobre Gaza hão de nascer rosas,
Sanguíneas alegorias da Pátria,
Hoje ceifadas, tão caule,
Da alegria dos pais,
Patéticas mãos para o céu.

Sobre Gaza, hão de nascer pães,
Fermento de gerações,
Pólens de sorrir mães.
um dia sem dores:
Flores , beleza e perdões.


Gaza ainda será verbo,
Este, de conjugar paz,
Mesmo memórias de cinzas,
Artilharia de escombros,
Êxtase de malvados,

Não germinará nenhuma honra
De um panteão de tormentos,
Quem irá saudar heróis
Campeões olímpicos no abate
De inocentes, civis e crianças?

Pássaros, hoje afugentados,
Saberão reconstruir ninhos.
Dos ímpios tenho dúvidas
Se hão de ungir louros
Nas sendas do enxofre.



sábado, 26 de julho de 2014

NO CÉU DE SUASSUNA




LUIZ MARTINS DA SILVA


Lá, há, para ele,
Sumidade humana,
Um trono armorial de santo,
Pronto, já há tanto tempo!

Sua sina foi ser messiânico,
Imaginário compadecido
De um povo e seu devaneio,
Sublimação pelo riso.

Lá, no alto, agora, auréola
Para tantos personagens,
E, aqui, cordel de louvores.

Santo, foi ao nosso modo,
Mártir, não de sofrimento,
Mas da pureza de um jumento.

(fotografia- Alexandre Nóbrega)

domingo, 20 de julho de 2014

POR FALAR EM DONETSK


 LUIZ MARTINS DA SILVA


Os que semeiam terror 
Não colhem os grãos de esperança.
Nas aras do enxofre
O ódio germina cinzas.

Bandeiras de malditas cores,
Partituras em claves de sombra.
Que gerações cantarão hinos 
De louvor à covardia?

Preferíveis anônimos grãos
A contemplar miríades,
Lavouras regadas em paz.

Orem por novas auroras.
Pensem em girassol e trigo,
Fértil sepultura de inocentes.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

RECEITA DE CHORO






LUIZ MARTINS DA SILVA



Se vier a calhar de ser choro,
Seja eclusa liberta de um rio,
Deixar-se além, balseiros de flores,
Pétalas sabem de algum ir.


Lágrimas são boas de chá,
Ervas sabem de fluir soluços.
E, ainda que seja uma dor efluente,
Antecipe o caminho do azul.


Chás são próprios da arte,
Tanto quanto sabe o arqueiro
Na mira de Baco ou de Eros.


Ervas são boas de sonhos,
Eventualmente de lírios,
Sobre lápides ou lábios.


foto: G1

domingo, 6 de julho de 2014

COM AS CORES DA ALMA



LUIZ MARTINS DA SILVA



A bandeira que se beija
É o povo e o seu chão sagrado,
Estandarte para o alto
De nossas devoções.

A pátria que nos encanta,
Desde o calor de um ninho,
É alegoria e parábola,
Claves dos nossos ninhos.

Disse um dia um patriota (*),
Na falta de uma bandeira,
Ela está à nossa frente,
Espelho da Natureza,

Quando nasce um brasileiro,
A Pátria no mesmo instante
Oferece-lhe um manto
Salpicado de estrelas.

*Euclides da Cunha


quinta-feira, 22 de maio de 2014

AFINANDO HARPA



LUIZ MARTINS DA SILVA


Não que me seja a sina
De ater-me neste presságio,
De erguer por sobre os ombros
A terra de todos os seus donos. 

Muito menos rolar pedra,
Do rés à mais alta leira,
Mas, bem que espera lanço,
De sossego para a alma.

Talvez, mais por insistência,
Não vivo só deste mundo,
Mais do pouco que é muito.

Mais amor que bem-me-queira,
Nem tudo que é todo é sempre,
Mais súplica, que melodia.

domingo, 4 de maio de 2014

UMAS COISAS




Luiz Martins da Silva

Sonho, consumo de cosmo,
Plasmar a vida em momento

Mesmo sem congelar instante,
Sabe do alivio a existência.

Adestrar objetos, autismo,
Equilíbrio de astros no centro.

Sistematizar sistemas solares,
Como quem aprende origami.

Esquecer que o ego tem sombra,
Gravar do silêncio uma estela.

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